João Carlos M. Madail

Mercosul e o sonho da moeda única

Por João Carlos M. Madail
Economista, professor, pesquisador e diretor da ACP
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Moeda única é aquela que circula num bloco de países a partir da existência de um mesmo banco central como único emissor autorizado. A adoção de uma única moeda pelos países associados a um determinado bloco visa tornar a atividade empresarial e o investimento no âmbito do bloco mais fácil, mais barato e menos arriscado. Pela facilidade na comparação de preços, a moeda única incentiva o comércio e todos os tipos de investimentos entre os países.

A criação de uma união econômica e monetária foi uma ambição comum da União Europeia desde o final da década de 1960. Para que fosse possível implantar a moeda única no bloco europeu foi necessário vencer uma série de obstáculos políticos e econômicos, desde a falta de vontade política e disputas em matéria de prioridades econômicas a períodos de agitação nos mercados internacionais.

A primeira ideia de adotar uma única moeda no Mercosul partiu do ex-ministro Paulo Guedes, surpreendendo a todos na ocasião com a proposta, visto que o continente sul-americano se caracteriza pelas suas fragilidades institucionais e instabilidade econômica fruto da hegemonia de políticas populistas, o que poderia provocar dificuldades aos países obrigados a cumprir políticas econômicas responsáveis e austeras. Nos primeiros dias de ação dos novos ministros, o tema de uma moeda única para o bloco econômico do Mercosul voltou a ser comentado, já que o tema é um desejo antigo do presidente Lula e do ministro Haddad, que em 2022 publicou um artigo sobre o tópico em parceria com o economista Gabriel Galípodo, futuro secretário-executivo de Haddad.

Na visita de posse de Lula, o embaixador da Argentina no País, Daniel Scioli, teria defendido a ideia com Haddad. O tema, ainda em discussão, dependerá de alguns encontros entre os representantes do bloco Mercosul e talvez de outros países convidados que pleiteiam que a moeda única facilitará os fluxos comerciais e financeiros entre todos os países da América do Sul, o que seria uma estratégia para acelerar o processo de integração regional. Muitas questões, nesse sentido, ainda não têm respostas como, por exemplo, quem emitiria a moeda comum? Lula, nos seus discursos sobre o assunto, afirmou que a responsabilidade da emissão da moeda seria de um banco central sul-americano e que a moeda seria inspirada na URV (Unidade Real de Valor), que ajudou em 1994 a transição entre Cruzeiro Real e o Real.

Apesar de muitos economistas, inclusive liberais, criticarem a ideia da moeda única, a proposta possui argumentos fortes e merece debate mais aprofundado. Deve-se considerar que os países que desejam ingressar na união monetária confluam economicamente para a proposta ter sucesso. As economias dos países da América Latina são extremamente desiguais, com instabilidade macroeconômica, algumas um tanto fechadas para o comércio, mas que poderiam melhorar seus desempenhos adotando regras comuns mais eficientes na inserção do mercado mundial. Foi o que ocorreu na zona do euro quando a moeda comum foi introduzida. Países periféricos como Portugal e Grécia experimentaram um verdadeiro boom econômico, pois vivenciaram forte queda nas taxas de juros, equiparáveis à de países mais sólidos economicamente do bloco, como a Alemanha.

Quem já discute o tema há muito tempo declara que a ideia não deve sair do papel tão cedo e afirma que para avançar é preciso, em primeiro lugar, definir se a moeda única vai valer só para as transações comerciais do bloco ou dentro do Mercosul, como ocorre com o euro. Talvez o caso mais próximo a ser adotado, a princípio entre Brasil e Argentina, seja o "dólar do Caribe Oriental", praticado por oito países, indexado ao dólar com uma taxa de câmbio fixa.

A discussão no Mercosul está no seu início e deverá perdurar por tempo indeterminado em função da complexidade do tema.

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